Ofício das Paneleiras de Goiabeiras/ES
Paneleiras de Goiabeiras
Paneleira é o indivíduo (artesã ou artesão) que modela e dá forma às panelas e a outros objetos cerâmicos utilitários. Na localidade de Goiabeiras esta é uma atividade eminentemente feminina, transmitida de mães para filhas, através de processos de aprendizado informal. Cada vez mais, ser paneleira é uma atividade produtiva de valor e reconhecimento social e que dá sustento a muitas famílias daquele bairro.
Em novembro de 2002, o IPHAN reconhece na expertise desse saber-fazer o primeiro bem cultural de natureza imaterial. Para o grupo social das paneleiras, representado pelos membros da Associação das Paneleiras de Goiabeiras, que congrega artesãos do galpão e de fundo de quintal, a titulação aparece como o reconhecimento de um ofício passado de geração em geração, uma tradição.
Paneleira é o indivíduo (artesã ou artesão) que modela e dá forma às panelas e a outros objetos cerâmicos utilitários.
Segundo o depoimento das minhas interlocutoras, “Paneleira aqui em Goiabeiras não vai acabar fácil não! ...”.
É preciso contextualizar a solicitação desse registro, que tinha na disputa pelo barreiro e na defesa da matéria-prima sua principal motivação para salvaguardar o bem cultural e seus detentores.
Em finais da década de 1980, algumas senhoras artesãs reuniram-se com os poderes públicos municipais, primeiramente com técnicos da secretaria de ação social, reivindicando ações de apoio ao artesanato tradicionalmente produzido naquela localidade. Nesse processo, as paneleiras foram angariando alguns apoios e também travando combates, seja para impedir a construção de um aterro sanitário no barreiro, seja para garantirem melhores condições de trabalho com a construção de um galpão.
Em vinte anos de associação, elas conquistaram o direto à exploração do barreiro – apesar da posse do terreno ser do governo do estado –, construíram um galpão para produção e comercialização das peças e ganharam visibilidade nos principais meios de comunicação do estado. A estratégia associativa potencializou e deu visibilidade para determinados tipos de reivindicações coletivas, como no caso estudado. As próprias paneleiras buscaram no apoio do IPHAN, da municipalidade de Vitória e das entidades da sociedade civil ligadas aos movimentos sociais as formas de impedir a construção do aterro sanitário e de defender a sua subsistência.
A pesquisa de doutorado, que resultou em um livro, procura estabelecer relações entre a produção antropológica e as políticas públicas de patrimônio cultural imaterial no Brasil. A abordagem etnográfica aqui apresentada analisa os modos de apropriação do Registro do ofício de paneleira como Patrimônio Cultural do Brasil, considerando os sujeitos sociais envolvidos nesse processo, quais sejam, as famílias produtoras de cerâmica utilitária no bairro de Goiabeiras Velha, na cidade de Vitória. Interessou-me compreender como foram construídas e interpretadas as referências às origens desse artefato cerâmico e ao saber “enraizado” na comunidade de paneleiras.
Esses agentes foram estudados em suas interações com as instâncias mediadoras do poder público e em seus embates com relação ao mercado. Nesse sentido, o processo de patrimonialização da cultura constitui um desafio para técnicos e gestores do patrimônio, pois o ato administrativo do Registro produz visibilidade sobre os bens culturais – saberes, celebrações, ofícios, expressões e lugares – e gera compromisso político do Estado brasileiro no que tange ao fomento, divulgação e salvaguarda dessas práticas e representações sociais.
Texto em destaque
BAIXAR ARQUIVO
Lucieni Simão | Editora Gramma
Meu encontro
Lucieni de Menezes Simão
Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia (UEMA)
Em agosto de 2003, iniciei o doutorado com um tema muito claro que desejava pesquisar: a nova política de patrimônio imaterial instituída em 2000 pelo governo brasileiro. Nessa época, apenas dois bens haviam sido registrados pelo IPHAN: o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, e a Arte Kusiwa dos índios Wajäpi, no Amapá, ambos em 2002. Decidi, então, estudar o primeiro bem registrado no Livro dos Saberes, que era o ofício das Paneleiras. A escolha devia-se, sobretudo, a sua localização na Região Sudeste, mas também me encantava o fato de ter contato com um saber-fazer eminentemente feminino, repassado tradicionalmente de mãe para filha. Ao conhecer o território de Goiabeiras, me deparei com uma riqueza imensa de saberes, fazeres e expressões culturais transmitidos por sábias senhoras, grandes matriarcas, generosas e acolhedoras. Convivi com muitas delas em seus quintais, cantei o congo, toquei casaca e alisei panelas. Sou muito grata a Izabel Corrêa, Jennette Rodrigues e Jamilda Bento por tudo que me ensinaram sobre este valoroso ofício e o bem-cuidar de seus idosos.
Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, com Mestrado em História da Cultura pela PUC-Rio, Doutorado em Antropologia pela UFF e Pós-Doutorado em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz).
Em agosto de 2003, iniciei o doutorado com um tema muito claro que desejava pesquisar: a nova política de patrimônio imaterial instituída em 2000 pelo governo brasileiro. Nessa época, apenas dois bens haviam sido registrados pelo IPHAN: o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, e a Arte Kusiwa dos índios Wajäpi, no Amapá, ambos em 2002. Decidi, então, estudar o primeiro bem registrado no Livro dos Saberes, que era o ofício das Paneleiras. A escolha devia-se, sobretudo, a sua localização na Região Sudeste, mas também me encantava o fato de ter contato com um saber-fazer eminentemente feminino, repassado tradicionalmente de mãe para filha. Ao conhecer o território de Goiabeiras, me deparei com uma riqueza imensa de saberes, fazeres e expressões culturais transmitidos por sábias senhoras, grandes matriarcas, generosas e acolhedoras. Convivi com muitas delas em seus quintais, cantei o congo, toquei casaca e alisei panelas. Sou muito grata a Izabel Corrêa, Jennette Rodrigues e Jamilda Bento por tudo que me ensinaram sobre este valoroso ofício e o bem-cuidar de seus idosos.
Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, com Mestrado em História da Cultura pela PUC-Rio, Doutorado em Antropologia pela UFF e Pós-Doutorado em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz).
Vídeos
Ao longo do processo da pesquisa foram produzidos vídeos que apresentam o território de Goiabeiras Velha, com seus saberes, fazeres e expressões culturais. Alguns vídeos foram produzidos para as oficinas de mapas do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. Outros, ainda, foram gravados por Jamilda Bento, registrando a queima no quintal de sua mãe Jennette Rodrigues. As paneleiras também produzem uma festa anual para divulgar as panelas e o território de Goiabeiras. Dois vídeos foram produzidos por Jamilda Bento sobre as apresentações da Banda de Congo Panela de Barro na 25ª Festa Anual das Paneleiras.
No açoite das panelas de barro: Avelino Alves Rodrigues e Jamilda Alves Rodrigues Bento. Tirador das panelas da fogueira: Moacir Alves Rodrigues. Organizadora das panelas após o açoite: Débora Alves Rodrigues. Captação de imagens: Maria Emília Rodrigues Bento.
Tirador: Moacir Alves Rodrigues.
Na rua do Galpão das Paneleiras de Goiabeiras, circundado pelo manguezal.
Outros Vídeos
As Paneleiras de Goiabeiras já são bastante consagradas pela mídia. Há vários vídeos disponíveis no YouTube que demonstram o modo de fazer das panelas de barro. Acredito ser importante apresentar o vídeo oficial do IPHAN, que subsidiou o processo de Registro.
Imagens de
Coletânea de imagens do acervo pessoal, que ao longo do processo de pesquisa, entre 2004 e 2008, foram documentadas cerca de 1000 fotos e mais de 30 horas de entrevistas. As fotos foram classificadas de acordo com os principais locais pesquisados – Galpão e Quintais. Nesta relação sensível com as senhoras e com o território, abri mais duas sessões aqui denominadas “Donas das Panelas” e “Ruas do Bairro”.
Acervo pessoal de Lucieni Simão
Cartografia
A cartografia social surgiu como uma espécie de devolutiva para as detentoras do ofício. As oficinas de mapas foram realizadas em dezembro de 2008 e o fascículo produzido entre 2009 e 2010, com georreferenciamento dos mapas e registros fotográficos e audiovisuais dos ofícios tradicionais (paneleira, marisqueiro e pescador) e das expressões culturais do território de Goiabeiras Velha (o Congo e a Folia de Reis).
(Equipe de elaboração: Lucieni, Jamilda e Moacir)
Mapa Situacional da Associação das Paneleiras de Goiabeiras Velha Vitória - ES
Nova cartografia social dos povos e comunidades tradicionais do Brasil: Expressões culturais e ofícios tradicionais em Goiabeiras Velha, Vitória, Espírito Santo / Alfredo Wagner Berno de Almeida; Rosa Elizabeth Acevedo Marin (Coords) ; autores, Jamilda Alves Rodrigues Bento, Lucieni de Menezes Simão, Moacir Alves Rodrigues. – Vitória, ES : Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidade Tradicionais do Brasil / UEA Edições, 2010.
Disponível em: http://novacartografiasocial.com.br/download/13-expressoes-culturais-e-oficios-tradicionais-em-goiabeiras-velha-vitoria-es/
Legendas
BAIXAR ARQUIVO
Lucieni Simão | Reunião Brasileira de Antropologia
Calendário
Para conhecer este ofício, é preciso que o visitante conheça o território de Goiabeiras Velha, local aonde estão os quintais das principais artífices e mestras das panelas. Elas recebem os compradores em suas casas e mostram aos interessados os locais de confecção e queima das panelas. O Galpão da Associação das Paneleiras também é um importante local para conhecer e comprar. https://blogdestinoes.com.br/paneleiras/
Dia das Paneleiras
Festa das Paneleiras
Referências
SIMÃO, Lucieni de Menezes.
Política e gestão do Patrimônio Cultural Imaterial: ações e práticas de salvaguarda voltadas para o protagonismo social.
Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , v. 39, p. 218-247, 2015.
http://www.revistas.uff.br/index.php/antropolitica/article/view/396
SIMÃO, Lucieni de Menezes.
“Os Mediadores do Patrimônio Imaterial”.
In: Sociedade e Cultura. Revista de Pesquisas e Debates em Ciências Sociais. Goiânia: Departamento de Ciências Sociais, FCHF/UFF, v.6, n.1 (jan/jun. 2003), 2005.
SIMÃO, Lucieni de Menezes.
O Artista Popular em sua Sala: poética e política de exposição.
Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em História da Cultura. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1998.
ABREU, Regina.; CHAGAS, Mário.
Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: Editora DP&A: FAPERJ, 2003.
http://www.reginaabreu.com/site/images/attachments/coletaneas/06-memoria-e-patrimonio_ensaios-contemporaneos.pdf
ALMEIDA, Alfredo W. B..
Terras de Quilombo, Terras Indígenas, Babuçais Livres, Castanhas do Povo, Faxinais e Fundos de Pasto: terras tradicionalmente ocupadas.
Coleção Tradição & Ordenamento Jurídico. Vol. 2. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006.
www.novacartografiasocial.com.br
ARANTES, Antonio Augusto.
“Patrimônio Imaterial e Referências Culturais”.
Revista Tempo Brasileiro. Patrimônio Imaterial, n. 147, Rio de Janeiro: ed. Tempo Brasileiro, out-dez., 2001. p. 123-128.
https://www.travessa.com.br/revista-tempo-brasileiro-147-patrimonio-imaterial-1-ed-2001/artigo/d265620a-a10a-4329-8bb7-1d76dac33eb8
BOURDIEU, Pierre.
“Compreender”.
In: BOURDIEU et. al. A Miséria do Mundo. Rio de Janeiro: vozes, 1997.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1896313/mod_resource/content/1/Remi_Lenoir.pdf
CNFCP/FUNARTE/MinC.
“Cultura Material: identidades e processos sociais”.
In: VELHO, Gilberto e outros (orgs.). Série Encontros e Estudos III. Rio de Janeiro: FUNARTE, CNFCP, 2000.
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=137
CNFCP/IPHAN/MinC.
“Registro e Políticas de Salvaguarda para as Culturas Populares”.
In: FALCÃO, Andréa. Série Encontros e Estudos VI. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2005. 90p.
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=137
CNFCP/IPHAN/MinC.
“Celebrações e Saberes da Cultura Popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectivas.”
In: FONSECA et. al. (orgs.) Série Encontros e Estudos V. Rio de Janeiro: FUNARTE, IPHAN, CNFCP, 2004. 96p.
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=137
FONSECA, Maria Cecília Londres.
“Referência Cultural: bases para novas políticas de patrimônio”.
In: IPHAN. Inventário Nacional de Referências Culturais. Manual de aplicação. Brasília: IPHAN, 2000.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/politicas_sociais/referencia_2.pdf
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.
O Registro do Patrimônio Imaterial: dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial.
2a ed. Brasília: IPHAN, 2003.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImaDiv_ORegistroPatrimonioImaterial_1Edicao_m.pdf
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.
Patrimônio Imaterial e Biodiversidade.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n. 32, Brasília, DF: IPHAN, 2005.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/rev_pat_n32.pdf
IPHAN/CNFCP/MinC.
Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois: princípios, ações e resultados da política de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no Brasil, 2003/2010.
Brasília: IPHAN, 2010. 120 p.: il.
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=99
LIMA, Ricardo Gomes.
O Povo do Candeal: sentidos e percursos da louça de barro.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: UFRJ, IFCS, 2006.
http://livros01.livrosgratis.com.br/cp010308.pdf
MAUSS, Marcel.
“As técnicas do corpo”. “Ensaio sobre a dádiva”.
In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
https://hantuem2011.files.wordpress.com/2012/08/mauss-sociologia-e-antropologia-completo.pdf
ABREU, Carol.
“Ofício de paneleira: conhecimento, reconhecimento e permanência”.
In: FONSECA et. al. Registro e Política de Salvaguarda para as Cultuas Populares. Série Encontro e Estudos n. 6. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, p. 15-23, 2005.
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=137
ALMEIDA, Paulete de O.
“Do Manguezal à Panela de Barro: Proposta de Inserção de novos espaços no tecido urbano da Grande Goiabeiras”.
Monografia apresentada ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES, Vitória, 1997.
http://www.acervo.bc.ufes.br/biblioteca/index.php
BENTO, Jamilda Alves Rodrigues.
Conhecendo as benzedeiras de Goiabeiras Velha.
[Vitória, ES?]: Ed. do Autor, 2004. 116 p.
http://www.acervo.bc.ufes.br/biblioteca/index.php
CHAIA, Viviane Medeiros; DANTAS, Graciano.
Panela de Barro. Raiz da Cultura Capixaba.
Vitória: Secretaria de Estado de Turismo, 2002. p. 5-11.
DIAS, Carla.
Panela de Barro Preta: A Tradição das Paneleiras de Goiabeiras - Vitória-ES.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2006. 143 p.
http://www.acervo.bc.ufes.br/biblioteca/index.php
HOVENKAMP, H.
De paneleiras van Goiabeiras: pannenmaaksters op de informele arbeidsmarkt in Vitoria, Brazilië.
Doctoraalscriptie Culturele Antropologie en Sociologie der niet-westerse samenlevingen. Vrije Universiteit Amsterdam. Juni, 1992.
https://www.uva.nl/en/education/master-s/open-days/student-information-for-selected-countries/brazil/bem-vindos-a-university-of-amsterdam.html
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.
“Ofício das Paneleiras de Goiabeiras”.
In: Dossiê IPHAN 3. Brasília, DF: IPHAN, 2006.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_oficio_paneleiras_goiabeiras.pdf
MINGO JR. Nilo de.
Goiabeiras.
Vitória: Secretaria Municipal de Cultura, 2000.
PACHECO, Renato José Costa.
“Goiabeiras: terra de panela de barro”.
In: Cadernos de Etnografia e Folclore, n. 5, Vitória, Espírito Santo, 1975.
PEROTA, Celso; BELING NETO, Roberto A; DOXSEY, Jaime Roy.
Paneleiras de Goiabeiras.
Vitoria: Secretaria Municipal de Cultura, 1997. 39 p. (Memória viva).